domingo, 4 de março de 2007

A pesquisa sobre a IURD

Na pesquisa que a Sepal realizou em 2002 sobre o perfil da igrejas da cidade de Londrina, quase todos os líderes se mostraram receptivos para fornecer dados, o que não aconteceu com I.U.R.D.[1] Penso que a liderança desta igreja não tem nada contra a Sepal de forma específica, provavelmente nem a conhece, quase certamente nem está interessada em conhecê-la. A dificuldade enfrentada pela Sepal já se tornou o calvário de muitos pesquisadores/as e curiosos/as da mídia desde há algum tempo.
Desde 1999 venho realizando pesquisas sobre a igreja do Bispo Macedo, o que me tem ensinado a identificar as dificuldades, bem como superá-las. Abaixo procuro descrever e analisar algumas destas dificuldades para depois propor alguns meios de superá-las. Deste modo espero contribuir com pessoas que estejam iniciando ou pretendam iniciar suas pesquisas sobre a referida igreja.

1) Dificuldades que o pesquisador pode enfrentar ao abordar a I.U.R.D.

O pesquisador interessado em estudar a I.U.R.D. enfrenta uma série de dificuldades. Tomei conhecimento da dificuldade que seria fazer pesquisa de campo na I.U.R.D. lendo pesquisas realizadas por outras pessoas. Um exemplo de dificuldades para pesquisar a I.U.R.D. é o que provém do trabalho realizado por Ricardo Mariano entre o que ele denominou de neopentecostais, dentre os quais inclui a I.U.R.D.:
Durante a pesquisa, como não podia deixar de ser, fui alvo de diversos atos de proselitismo: apelos para aceitar a Cristo, leituras de versículos da Bíblia, orações, admoestações e pequenos sermões acerca da proximidade do fim dos tempos e de minha urgente necessidade de conversão. Muitos deles, neste intento procuraram desqualificar o conhecimento acadêmico, alegando sua total inutilidade para a salvação da alma e evidente precariedade diante da palavra de Deus, portadora de Verdade suprema que, de seu ponto de vista, tudo explica e soluciona.[2]
Eu mesmo pude experimentar as dificuldades de observar a I.U.R.D. quando realizava pesquisa de campo para uma dissertação de mestrado. Leonildo Silveira Campos conta que no culto da I.U.R.D. “não há espaço para assistentes isolados na platéia, e tudo que atrapalha o bom andamento do culto é imediatamente encarado como a presença dos demônios”.[3] Em um domingo à noite no mês de maio de 1999, a igreja estava lotada, e eu notei que, além das dezenas de obreiros e obreiras leigos que sempre observava, havia pessoas com coletes pretos semelhantes aos de seguranças no interior do templo. O fato me chamou atenção. No final do culto o pastor perguntou se as pessoas sabiam por quê aqueles “obreiros” usavam roupas diferentes dos demais, ao que explicou que era uma medida de segurança devido aos “filhos do Diabo” que adentravam o templo para espionar e fazer mal às pessoas da igreja. Acrescentou ele, ainda, que o templo constava agora também de um circuito interno de televisão para vigiar todos os acontecimentos do culto. Nesse dia eu me convenci de que deveria ser bastante cuidadoso e discreto sob o risco de comprometer a possibilidade de adentrar àquele templo de novo.
Precavido por tais experiências, tive a preocupação fundamental em não passar por tais constrangimentos e, sobretudo, a preocupação em não melindrar o objeto/campo de estudo. Estas preocupações resultaram na decisão de não utilizar gravadores ou formular entrevistas para serem respondidas pelas pessoas. Na época compreendi que a melhor opção seria fazer uma observação participante. Passei a assistir aos cultos da igreja e anotar o que observava quando chegava em minha casa em um diário de campo. Abaixo vou expor com mais detalhes este procedimento, bem como sugerir outras formas para se obter dados sobre a igreja liderada pelo Bispo Macedo.

2) Sugestões para superar as eventuais dificuldades na pesquisa sobre a I.U.R.D.

A observação participante está entre as metodologias de pesquisa qualitativas. Enquanto tal suscita simpatias e antipatias. Conta com a antipatia de pessoas que pensam que há uma construção do objeto de estudo demasiadamente subjetiva. Conta com a simpatia de pessoas que reconhecem como processo inevitável a expressão da subjetividade na construção de um objeto de estudo.
Vou procurar entender a observação participante, inicialmente, a partir de tentativas de defini-la ou caracterizá-la. Uma primeira tentativa: “A técnica de observação participante se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos.”[4] Uma segunda tentativa é a identificação da observação participante como
... um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto.[5]
Uma questão interessante sobre a observação participante é a discussão sobre o quanto ela deve ter de observação e o quanto ela deve ter de participação. A intensidade de cada um dos dois elementos pode caracterizar muitas variações da mesma metodologia:
A inserção do pesquisador no campo está relacionada com as diferentes situações da observação participante por ele desejada. Num pólo temos a participação plena caracterizada por um envolvimento por inteiro em todas as dimensões de vida do grupo a ser estudado. Noutro, observamos um distanciamento total de participação da vida do grupo, tendo como prioridade somente a observação. Ambos os extremos mencionados envolvem riscos que devem ser avaliados antes de serem adotados.[6]
Além de poder fazer pesquisa de campo, estudioso/a da I.U.R.D. tem à sua disposição uma grande quantidade de fontes. Há pelo menos cinco tipos de fontes primárias diferentes, conforme descrição abaixo.
(1) Livros de líderes da I.U.R.D. publicados pela editora da instituição. Como possui parque gráfico e editora próprios, há uma infinidade de livros de seus líderes à venda nas livrarias localizadas em suas igrejas locais. A I.U.R.D. não possui seminários/escolas para formação de seus líderes, mas consegue, através de suas publicações escritas estabelecer uma teologia oficial com o intuito de padronizar seus conceitos e práticas. Selecionei livros de líderes de expressão nacional que analisam questões concernentes ao Diabo. Algumas obras se dedicam exclusivamente à demonologia, como é o caso de “Orixás, caboclos e guias” do Bispo Macedo, outras tratam de assuntos diferentes, mas fazem alguma referência ao tema.
CABRAL, J. Entre o vale e o monte. Rio de Janeiro: Universal, 1998.
HELDE, V. Um chute na idolatria. Rio de Janeiro: Universal, 1999.
MACEDO, E. O diabo e seus anjos. Rio de Janeiro: Universal, 1995.
____. Mensagens. Rio de Janeiro: Universal, 1995.
____. O perfeito sacrifício. Rio de Janeiro: Universal, 1996.
____. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? Rio de Janeiro: Universal, 1997.
____. O despertar da fé. Rio de Janeiro: Universal, 1997.
____. O poder sobrenatural da fé. Rio de Janeiro: Universal, 1997.
MADURO, R. Nossa batalha. Rio de Janeiro: Universal, 1997.

(2) Regimento interno da I.U.R.D. também publicado por sua editora. Este documento enfoca importantes aspectos da vida burocrática da igreja. Traz sintetizados os seus conceitos teológicos fundamentais e os parâmetros institucionais de funcionamento da igreja. Há um capítulo sobre o “Ministério de libertação”, a prática institucional de exorcismo, com suas respectivas qualificações e fundamentações. A importância desta fonte está no fato de trazer dados sobre a demonologia em um contexto mais amplo da vida institucional da igreja.
ESTATUTO E REGIMENTO INTERNO. Rio de Janeiro: Universal, s.d.

(3) Livro de cânticos da I.U.R.D. publicado por sua editora. É possível observar se a teologia oficial de uma igreja está sendo colocada em ação no dia a dia, quando é integrada à sua liturgia. A teologia de uma igreja está muito mais bem estampada na letra de seus cânticos do que em seus tratados oficiais, uma vez que sua assimilação é mais acessível aos leigos/as. A teologia dos cânticos é facilmente integrada à vida das pessoas comuns porque são vivenciadas corporalmente nos cultos e integradas à memória musical das pessoas.
UNIVERSAL:IGREJA DO REINO DE DEUS. Louvores do reino. Rio de Janeiro: Universal, 1998.

(4) Textos de líderes da I.U.R.D. publicados na rede mundial de computadores. No site da I.U.R.D. é possível encontrar informações sobre a teologia oficial da igreja, bem como pequenos textos abordando questões do dia a dia das pessoas. A pretensão de estender sua influência sobre as mais variadas áreas da vida do ser humano pode ser verfificada nos temas que as mensagens e os artigos dos líderes da igreja escrevem e publicam na internet. O procedimento para capturar informações pode ser o de navegar no site, gravar em disco rígido os textos que trazem informações sobre a demonologia e a teologia da prosperidade da igreja, imprimir os textos e arquivá-los para posterior pesquisa de outros pesquisadores/as.
http://www.igrejauniversal.org.br/ e http://www.bispomacedo.com.br/

(5) Sermões em áudio de líderes da I.U.R.D. publicados na rede mundial de computadores. Além de textos eletrônicos, é possível ter acesso a gravações em áudio de cultos como um todo e de pregações selecionadas de líderes da igreja. O procedimento pode ser o de navegar no site, gravar em disco rígido as informações em áudio, depois gravá-los em compact disc e transcrever os cultos e pregações que trazem informações específicas sobre demonologia e sobre a teologia da prosperidade.
http://www.igrejauniversal.org.br/ e http://www.bispomacedo.com.br/
[1] Igreja Universal do Reino de Deus.
[2] Ricardo MARIANO, Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo brasileiro, p. 19.
[3] Leonildo Silveira CAMPOS, Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal, p. 111.
[4] Otávio CRUZ NETO, “O trabalho de campo como descoberta e criação”. In: Maria C. S. MINAYO, Pesquisa social, p. 59.
[5] Maria C. S. MINAYO, O desafio do conhecimento, p. 135.
[6] Otávio CRUZ NETO, op. cit., p. 60.