sexta-feira, 2 de março de 2007

O simbólico a partir de um texto de Sahlins

SAHLINS, M. “Conclusão: a utilidade e a ordem cultural”. In: ____. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979. p. 226-42.

Marshall Sahlins é antropólogo e leciona na Universidade de Chicago. Além da obra supra citada, possui mais dois livros traduzidos para o Português: “Ilhas de história” e “Sociedades tribais”. O texto é sumariado pelo autor no primeiro parágrafo. Segundo este sumário, o texto estaria dividido em duas partes. Na primeira, o autor expõe as bases teóricas de seu argumento. Na segunda, utiliza os conceitos que arquitetou para comparar as sociedades primitivas e as sociedades burguesas.
O argumento de Marshall Sahlins na primeira parte do texto tem um caráter, eminentemente, polêmico com o materialismo histórico e as perspectivas teóricas dele derivadas. O autor demonstra querer refutar a noção de uma determinação infra-estrutural da cultura. Para o antropólogo, a lógica inversa, que as formas simbólicas limitam o que pode ser produzido materialmente em uma dada sociedade, é muito mais plausível. ”As formas materiais se instauram sob a égide da cultura.” (p. 229). “A cultura não é meramente a expressão da natureza sob outra forma. Antes pelo contrário, a ação da natureza se desdobra nos termos da cultura, isto é, sob uma forma que não é mais a sua própria, mas sim incorporado como significado.” (p. 230-1).
A concepção do simbólico como estruturante da sociedade é a referência, na segunda parte do texto, para o autor considerar as particularidades das sociedades burguesas. Suas comparações não buscam apenas as particularidades destas, mas também o que há de comum em ambas. “O que estou tentando estabelecer é uma diferença entre sociedade burguesa e sociedade primitiva na natureza e produtividade do processo simbólico que seja contrapartida de uma variação no padrão institucional. (...) A primeira é caracterizada pela separação estrutural de esferas funcionais – econômica, sócio-política, ideológica – organizadas diferentemente em sistemas objetivos específicos por tipos distintos de relações sociais (Mercado, Estado, Igreja, etc). Uma vez que os objetivos e relações de cada subsistema são distintos, cada um deles tem certa lógica interna e uma relativa autonomia. Mas como todos estão subordinados às condições da economia, isso dá credibilidade ao tipo de teoria reflexionista que percebe na superestrutura as diferenças (especialmente de classe) estabelecidas na produção e na troca. Na sociedade primitiva, a ação econômica, política e ritual é organizada pela estrutura generalizada de parentesco.” (p. 233). “Na sociedade burguesa, a produção material é o lugar dominante da produção simbólica; na sociedade primitiva, são as relações sociais (de parentesco).” (p. 234).
Algumas questões para discussão suscitadas pela leitura do texto: 1) Estabelecer o simbólico como fator estruturante das sociedades não é tão contestável quanto a visão marxista de que a infra-estrutura determina a super-estrutura? 2) A compreensão de Marshall Sahlins acerca das sociedades burguesas parece ter pontos de contato com as concepções de Pierre Bourdieu (formação de campos especializados com regras internas de funcionamento) e com Jürgen Habermas (colonização do mundo da vida pelo subsistema econômico, fazendo imperar a sua lógica sobre as demais esferas da sociedade). Quem teria influenciado quem? Que diferenças e semelhanças há entre os pensadores? 3) O autor estaria construindo um etnocentrismo às avessas ao igualar por baixo as sociedades primitivas e as burguesas através de um determinismo das formas simbólicas? 4) Como a comparação entre as sociedades arcaicas e as burguesas empreendida pelo autor se insere nas discussões sobre a identidade do campo antropológico na atualidade?